No último fim de
semana, dias 9 e 10/11, visitei uma das cidades que mais cresce culturalmente no Recôncavo
baiano. Não que lhe faltasse ícones de cultura, isso foi uma das coisas que
mais me confundiu nesta minha segunda passagem por lá. Eram tantos signos,
tantas referências... A cidade em destaque é Cachoeira, uma cidade histórica,
que guarda tatuada em suas construções coloniais, marcas da luta e
vitória que foram fundamentais para a independência da Bahia, no ano de
1823.
Construções coloniais de Cachoeira |
Algo que chamou minha atenção: Então quer dizer que o Brasil já era
independente, porém a Bahia não?
Solícito, meu acompanhante
Carvalho, F., alguém muito envolvido com a literatura, e apaixonado pelas
belezas históricas e referenciais de lá, me explicou que, quando D. Pedro II
declarou o Brasil independente de Portugal, nas margens do Ipiranga, em 1822,
na Bahia o processo não se firmou logo, pois os portugueses tinham um interesse
maior em nossas terras do que no resto do País. Não que eles não quisessem a
maioria restante, mais aqui era o foco principal para a continuação da
colônia. E foi em Cachoeira que a luta pela independência da Bahia começou,
terminando na capital, no dia 2 de julho de 1823.
Estátuas esculpidas em madeira no museu onde funcionava a cadeia |
Hoje, mistérios se misturam
com iniciativas culturais. Uma das estórias mais interessantes
é algo místico que busca explicar certos atrasos evolutivos e até políticos
desta e de outras cidades do recôncavo.
Meu amigo me contou –
quando já estávamos indo embora –, que os espiritualistas
locais acreditam que, nestas cidades existe um atraso
social, pois enterraram um esqueleto de burro (equino) nelas. Se for falácia,
nem eu nem ele poderíamos contradizer, pois é de bom tom respeitar e levar a sério
os preceitos religiosos desta região.
Cachoeira é vizinha de
São Felix, uma cidadezinha fixada no alto de uma pequena formação de
serra. As duas se ligam através da ponte de ferro Dom Pedro II, construída sobre o rio Paraguassú,
que dá continuidade a uma ferrovia. De vez em vez, um dos sentidos é
liberado, ora para Cachoeira, ora para São Félix, com fluxo monitorado via rádio
por agentes de trânsito, localizados nos dois extremos da ponte.
Ponte sobre o Rio Paraguassú, que une Cachoeira a São Felix |
Mas é como se não
houvesse divisão. Pelo menos é o que aparenta para os visitantes, e, sinceramente, nem quis entrar nesses assuntos de relação
social entre os moradores, até porque a riqueza cultural desta região é tão
fantástica que não dá pra pensar em outra coisa, senão em apreciar!
Galeria de Arte Pouso da Palavra, que foi residencia do poeta Damário da Cruz |
No primeiro dia, visitamos
a casa Pouso da Palavra, que foi residência do poeta e fotógrafo Damário da
Cruz, e hoje é um centro cultural e galeria de arte. Lá, comprei um suvenir, uma camisa com estampa de um dizer do Damário: “GlobalizaCÃO... Quanto mais
sonho com Cachoeira, mais acordo em Nova York”. Fiquei surpreso e alegre, junto com meu
companheiro de viagem, ao ver que um de seus poemas estava no livro da edição
2013 do concurso de poesias que leva o nome do ilustre “Da Cruz”. Tudo isso depois de ter comido uma gostosa moqueca de peixe, observando a paisagem da
orla com vista para a vizinha São Félix.
Parte interna do mercado municipal |
No mercado municipal
era dia de feira. Já conhecia o ambiente da primeira vez que visitei (muito rapidamente) a cidade, em uma das excursões da aula de fotografia, do curso de
jornalismo, coordenado pelo professor (um dos melhores que conheço) João Alvarez. Lá, comprei um pote de ambrosia, e fui confundido, talvez pela roupa
ou pela anemia de minha pele, com um carioca. Expliquei para a simpática feirante
que eu era tão da terra quanto ela e que venho das bandas da Ilha de
Itaparica. A dona, pelo que percebi, não acreditou, mas enfim... Foi um reencontro
interessantíssimo com aquela bagunça comum de feira.
As siglas significam: Pedro Quer Ter Renda Lucro e Valores |
Meu amigo até que
tentava me explicar a importância dos signos humanos contidos nos nomes dos casarios,
monumentos e ruas da cidade, mas eram tantos que eu me perdia.
Mais algo
chamou nossa atenção, no último dia de visita: um bar que se chamava PQTRLV.
Que diabos seria aquilo?
Curioso, fui perguntar
ao dono do estabelecimento, seu Zé Miúdo, e ele nos contou que seu cunhado
chamado Pedro, que era dono daquele e de mais outro bar na cidade, colocou
o nome, e que a sigla significa: Pedro Quer Ter Renda Lucros e Valores.
Na verdade, as letras possuem dois significados, mas o segundo só você indo lá
e perguntando pra ele, pois é tão pitoresco e picante que jamais contaria aqui (risos).
Fanfarra em cortejo pelas ruas de Cachoeira |
Na noite de sábado,
após um bom jantar e uma reserva de Cabernet Sauvignon, num dos diversos
restaurantes com boa comida que a cidade possui, fomos ao início do festejo da
festa da D'Ajuda. Posso dizer que foi a parte mais elétrica desta visita
maravilhosa à Cachoeira. Ao som da banda de fanfarra da cidade – que começou
com o hino do Senhor do Bonfim – demos um giro de 360º ou 180º, ou sei lá..., na
cidade. Num ritmo frenético, moradores e turistas cantavam e dançavam no
cortejo. Não aguentei o pique quando chegamos à parte mais movimentada da
cidade, e como se diz aqui na Bahia: “pedi pepeô” ao meu amigo. Descansamos em uma
das pracinhas próximo à orla e, depois, exaustos, fomos dormir.
"A festa da D'Ajuda guarda
segredos e lendas", foi o que meu amigo disse. Ele me explicou que, no carnaval, espíritos se misturam aos foliões que mantêm a tradição da
fantasia. Uma das vestimentas, o mandu, que cobre todo o corpo, apenas deixando os olhos à mostra e parece até com
a roupa usada naquele clã Ku Klux (infeliz comparação, mas parece), era para
que crianças que sofriam com doenças de pele pudessem brincar, nos festejos. Ele
disse também que Yemanjá entra nessa história, mas eu já estava com um delay
tão grande na mente, devido aos signos locais, que nem pedi maiores explicações.
Mãe Fiinha, da Irmandade da Boa Morte |
Essa festa tem relação com a Irmandade da Boa Morte, da qual tive a oportunidade de fotografar a
Mãe Fiinha, um dos ícones desta tradição religiosa.
Por fim, após passar uma ótima tarde em um balneário muito aconchegante, capturei imagens da fauna aviária e do por do sol.
Ficarão as recompensas dessa viagem maravilhosa e a saudade desta cidade, da qual levei fotos, suvenires, doces e uma
paz tão intensa que nem preciso mais pular ondinhas, no Reveillon, devido à
quantidade que recebi das estórias, histórias e espíritos.
Confira esse vídeo sobre os mandus, e conheça mais sobre a cultura de Cachoeira.
Cachoeira é, sem duvida, um dos meus xodós!
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