segunda-feira, 30 de setembro de 2013

POR TRÁS DAS ESCOLHAS (Uma história de todos nós) Capítulos III e IV (Coisas que fazem um homem ser só) - (Como será que o amor deve começar?)

Por Joaca de Castro


Uma história de amor como tantas outras... Todos os romances começam de maneira encantadora, claro que alguns são esquisitos e inusitados, mas, infelizmente  não há como prever o fim.

Todos esperam que termine em uma casinha confortável, depois de uma longa vida de amor e com muitos descendentes, mas o destino não funciona tão de acordo com nossos desejos.

Na vida de Dangelo, as coisas foram assim...




POR TRÁS DAS ESCOLHAS
Uma história de todos nós

Capítulo III: Coisas que fazem um homem ser só


Luiza - mãe de Isaah - tinha cinco anos quando, tragicamente, Flora se foi.  Dois meses após a morte dela, houve uma tentativa de sequestro contra a pequenina, no momento em que saia da escola:

- “Deus do céu, Sr. Dangelo! Chegaram dois homens em um carro vermelho, com vidros pretos, saíram do carro, pegaram a menina e partiram em disparada sentido ao centro”, relatou a professora, que sempre aguardava o pai de Luiza chegar para apanhar sua filha, pontualmente às 12 horas.

Senhorita Clarice tinha um apreço muito grande pelo recém-viúvo e lamentava vê-lo, com tamanha tristeza, fazendo o que era hábito de sua mulher fazer. Mas aquilo não era só um sentimento comum que se tem, como piedade ou pena. Clarice foi, durante muito tempo, uma admiradora secreta do homem que encantava seus ouvidos, durante o período de sua adolescência. Dangelo havia trabalhado na rádio local, no início de sua carreira, em um programa matinal que falava sobre cultura e cidadania.

Quando descobriu quem era o dono da voz que lhe fazia perder o ar, ela descobriu que o coração dele pertencia a ‘menina de ouro’ do colegial. Flora, pequenina, com seus cabelos longos e olhos profundos, era a garota mais bonita da 8ª série e todos queriam a oportunidade de namorá-la. Mas, com um gênio muito forte, ela não dava bola para os garotos de sua idade. Queria alguém com conteúdo, com planos e que pensasse no futuro de forma mais concisa, ou seja, alguém mais velho.

Elas nunca foram amigas. Clarice e Flora apenas se comunicavam de maneira social. Simplesmente “bom dia, boa tarde e boa noite” – quando se encontravam, ocasionalmente, na pracinha da cidade. Quando descobriu que seu amado estava encantado pela doçura de sua colega de sala, de início, Clarice passou a perseguir com conversinhas difamatórias – o que era comum dentre as garotas daquela idade – mas depois entendeu que com o amor não se brinca, e Dangelo estava realmente amando aquela garota. Mas voltemos ao fato:

O susto que ele levou ao descobrir que tal mal aconteceu com a sua filha levou Dangelo ao desespero total. Ele desfaleceu nos braços de Clarice – como um corpo que cai, sem vida, após um tiro certeiro – não contendo o terror que lhe corria o sangue.

- “Não se preocupe, Sr. Dangelo. Vamos nos mobilizar para encontrar sua filha e tudo vai terminar bem. Vamos procurar a policia primeiro. Lá, eles saberão nos orientar”, disse Clarice, tentando tranquiliza-lo.

Foram 3 dias de procura até que uma carta anônima informou onde estava a garota.

A carta dizia:

“Encontre sua filha nos fundos do velho armazém da rodagem”.

Mas o que realmente impactou profundamente na alma dele foram as palavras escritas pelos possíveis mandantes desse crime:

“O que será da vida de um homem que após ceifarem sua árvore ainda levassem o único fruto que sobrou dela? Atitudes geram consequências, não tome as suas!”.

Ele sabia que não estavam brincando. Ou talvez fosse ele quem estivesse brincando demais com a sorte – esta que lhe faltou ao levar Flora - e não devesse mais arriscar:

- “Perder Luiza, jamais!”, pensou ele com extrema convicção.


POR TRÁS DAS ESCOLHAS
Uma história de todos nós

Capítulo IV: Como será que o amor deve começar?


Aquele amor que lhe roubaram começou de maneira simples. Ousada, Flora certa feita resolveu ligar para o programa e questionar a respeito de um comentário feito pelo então radialista:

- “A classe média é a mais hipócrita dentre as demais, pois os ricos sabem definitivamente o que querem e os pobres conhecem o que verdadeiramente lhes faltam, e, falando da primeira, é notável que ela vive da sombra da segunda e da prepotência em contraste à última”.

Depois de alguns minutos de discussão ao vivo, a garota – enfurecida com os argumentos contextualizados do radialista – resolveu que iria pessoalmente até a rádio para falar com ele, e - se fosse possível – com seu chefe.

Dangelo não temeu, mas imaginou que receberia uma senhora balofa, com um rolo de massa nas mãos e soltando fogo pelas ventas. Quando viu aquela garota em sua frente, deixou soltar uma gargalhada de surpresa:

- “Poderia saber o motivo de sua risada? Pois além de mal informado és mal educado?”, indagou a garota, desafiante:

- “Sinceramente não esperava receber uma garota tão...”, ele evitou falar, pois não quis que ela pensasse que ele era do tipo machista:

- “Tão o que? Tenha coragem e termine de falar!”, retrucou a menina, que tinha as maçãs do rosto avermelhadas de fúria:

- “Uma garota tão feia assim!”, disse Dangelo, em tom de brincadeira e com um sorriso nos lábios:

- “Seu grosso! Não consigo entender como alguém como você conseguiu se tornar radialista. Que insulto para a profissão”, exclamou Flora, tentando ofendê-lo:


- “Garotas como você sempre vão procurar um pressuposto para justificar um erro em homens como eu. Sabendo disso e não fugindo, decidi mentir e te dar razões para sua opinião ao meu respeito. Se eu falasse que és linda, poderia achar que estou fazendo pouco caso de você, e isso, com certeza, eu não quero fazer”, disse ele em tom sério.

Existem momentos em que o tempo congela e deixa que o sobrenatural atue com precisão. Foi exatamente um desses momentos que aconteceu quando Flora olhou no fundo dos olhos dele, após ouvir aquela explicação. Mas ela não era nada fácil. Mesmo com a resposta dele, a menina não desistiu do entrave entre eles:

- “Então quer dizer que o Sr, acha que a classe média é hipócrita, né?”, questionou-o em tom de ironia.

Ele pensou em cantar novamente a garota, mas – baseando-se em seus próprios conceitos – resolveu responder o questionamento dela:

- “Ok. Me responda: Audi, Mercedes, Fiat, Chevrolet ou Honda? Qual tipo de carro você gostaria de ter?”:

- “Não sei... talvez um Mercedes”, respondeu ela:

- “Daqui a quanto tempo você terá esse carro?”, perguntou ele:

- “Sei lá... Quando estiver formada. Penso em estudar até ser PhD. Essas perguntas não fazem sentido”, indagou Flora:

- “Verás que faz. Então... Brejo Velho, Itiúba, Nova Constituinte ou Santa Rita? Onde será sua casa?”, perguntou Dangelo novamente:

- “Deus é mais! Não vou morar em nenhum bairro desses! Vou morar na capital, provavelmente na Barra ou na Pituba”, enfatizou a garota:

- “Bem... uma última pergunta: Onde você mora?”.

- “Moro em Noronha, mas é na rua principal! Perto da Av. Marechal Deodoro da Fonseca”, explicou Flora.

- “É isso aí, garota. Logo abaixo da Marechal fica Itiúba. Você olha todos os dias para lá e pensa: Deus é mais de eu morar aí. Um contraste muito forte que separa sua realidade à desse lugar, né? Daí vem as outras introspecções: desejas um Mercedes, sonhando com um futuro promissor que ainda não veio, além de querer morar num lugar relativamente abstrato à sua realidade. O exemplo claro de que a classe que você diz pertencer não só vive à sombra da riqueza como também menospreza a pobreza das classes baixas. Resultado: sem identidade, sem consistência e meramente hipócrita, porque diz sempre coisas que não condiz com sua realidade”.

Ela se pegou pensando nos contrapontos expostos por aquele homem, ao mesmo momento em que reparava no estilo simples, porém ajeitado, que o rapaz possuía. De certa forma ele parecia saber do que falava e isso a tirava do sério. Talvez fosse o fato de que isso lhe tirava o chão dos seus pés.

Já não conseguia mais pensar no paradigma existencial de sua classe. O que dominava seus pensamentos era a vontade de ver aquele homem que trajava jeans azul e camisa polo, sapatos pretos e cabelos bem penteados, usando bermuda, de peito nu e óculos escuros, lhe fazendo companhia em uma praia do litoral.

Ou talvez dirigindo um Mercedes conversível, rodando pela orla de Salvador... Mas seus pensamentos foram interrompidos pela voz rouca que vinha de um velho cheirando a cinza de cigarro, que o chamava para voltar ao posto, pois a segunda parte do programa já estava pra começar.

Depois desse encontro Flora passou a ouvir com outras ideias, as indagações do homem que conseguiu lhe arrancar suspiros. O visitou outras vezes até que o namoro começou. Casaram-se e depois de 3 anos veio a pequena Luiza, realizando o maior desejo do casal.

CONTINUA...

Capítulos anteriores:

Capitulo I As visões de Isaah

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Para o triste destino que se deu na vida amorosa de Dangelo, ouça Chasing Cars da banda Snow Patrol:




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